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Cordyceps, Complexos e Carinho Mal Resolvido

  • há 4 dias
  • 3 min de leitura


Cordyceps: A pulsão de morte com esporos

Vamos começar pelo óbvio: o fungo. O tal Cordyceps é uma metáfora deliciosa (e apodrecida) para a pulsão de morte. Ele invade, domina, corrompe — mas não por prazer, e sim porque é da natureza dele. Assim como a pulsão de morte em nós, que sabota o que está bom só pra lembrar que a festa sempre acaba.

Os infectados são sujeitos capturados pelo inconsciente mais cru: puro id, sem censura, sem ego, sem filtro. Eles não desejam, não pensam — só agem. É o que acontece quando o superego falha e a civilização desaba: o real escorre pelas frestas e se espalha feito mofo emocional.


Joel: O luto como prisão e espelho rachado

Joel é o arquétipo do pai em ruínas. Ele perdeu a filha no primeiro episódio, e ali nasceu o trauma-matriz. Desde então, tudo nele é defesa: a frieza, o silêncio, o cinismo. Ele não vive, sobrevive — como um ego em estado de alerta permanente.

Quando ele conhece Ellie, não é amor à primeira vista. É transferência. Ele projeta nela a filha morta, e ali começa o drama freudiano mais saboroso da série. Ellie não é só uma menina com imunidade — ela é a promessa inconsciente de redenção. E por isso mesmo, ele não consegue deixá-la ir. Joel escolhe salvar Ellie ao invés da humanidade. Ou seja: recusa o simbólico (a coletividade) em nome do imaginário (o amor pessoal). Freud aplaudiria de pé. Lacan diria: “claro, o desejo é do Outro, mas Joel tá pouco se lixando”.


Ellie: A criança que precisa crescer no inferno

Ellie é o sujeito que se forma no caos. Não teve infância, não teve tempo pra neuroses normais. Tudo nela é precocidade psíquica e resiliência forçada. E ainda assim, deseja amar e ser amada. Uma órfã do afeto tentando fazer sentido no meio do apocalipse — ou seja, como todos nós, só que com mais tiroteios.

Ela carrega o peso do “salvadora possível”, o que a torna símbolo do Messias traumatizado. Mas diferente de Cristo, ela não quer salvar ninguém. Ela quer viver. E viver, no mundo da série, é resistir à tentação de virar monstro — seja infectado, seja um adulto com alma seca.


A relação Joel-Ellie: transferência, projeção e um baita nó

O vínculo entre Joel e Ellie é um caso clínico. Há identificação, substituição simbólica, amor objetal e uma dose cavalar de repressão emocional. Eles não se dizem “eu te amo”, mas se matam por isso. Porque amar, nesse mundo, é sinônimo de matar — matar o que ameaça, matar o que dói, matar até a chance de um futuro que não inclua o outro.

A grande virada é Joel matando todo um hospital pra não perder Ellie. É a vitória do gozo sobre a ética. Ele opta pelo amor neurótico ao invés do sacrifício civilizatório. Ou como diria Schopenhauer, ele escolheu a vontade cega em vez da resignação lúcida. Com direito a muito sangue.


O apocalipse é interno

The Last of Us não é sobre zumbis, nem sobre cura. É sobre o horror de continuar existindo mesmo depois de perder tudo que dava sentido à existência. É sobre o desejo que insiste — mesmo quando tudo ao redor pede pra desistir.

É uma carta de amor escrita com faca.




 
 
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